domingo, 3 de novembro de 2013

Don't be Afraid! (Annie, uma História e um Café - III)

Leia: Annie, uma História e um Café, Parte I e Parte II.

"Hello! Sophie here. You know what to do after the beep."



Certa noite, em que toquei piano em um hotel de luxo, apenas a fim de encontrar-me com Charlie, descobri que por mais que eu duvidasse, um dia o mundo conspiraria ao meu favor. Daria alguns tiros nele se estivesse com uma arma, ou furaria seu peito se as facas da prataria do hotel tivessem pontas. De fato, naquele covil de gente abastada deveriam haver mais pessoas desequilibradas do que apenas eu.

Benjamin, na manhã seguinte, partiu. Deixou-me mais uma semana de estadia naquele palácio, para que eu tentasse resolver dali o que faria com a história de Annie. Ainda tinha esperança de encontrar Sophie. Tinha esperança de que ela estaria viva. Pedi para Annie, que me repetisse o que me disse há muitos dias, sob aquela árvore: Ouvi falar sobre pais vivos. Estariam mesmo em meu caminho, ou Charlie também teria tratado de apresentar-se como um pai?

Ora! Em posse dos documentos de Annie, não precisaria mais ter medo do que viria pela frente. Lembrei-me então de Vivian. Em nossa juventude, ela passava noites em claro, em busca da lei. Gostaria de tornar-se Juíza algum dia. Seria ótimo encontrá-la, se eu soubesse o seu sobrenome de casada. Qualquer tipo de busca foi em vão. O fato de estar com um documento de adoção assinado em mãos, mas sem nome de família alguma, não me encorajava a preenchê-lo com meus dados. Era como um cheque assinado, mas em branco. Qualquer um poderia tornar-se milionário da noite para o dia, mas tudo dependeria da sorte de haver fundos em caixa para o saque. Assim estava eu: com uma enorme tentação de adotar Annie legalmente, tendo a sua guarda até encontrar o seu caminho, porém temendo ser barrado por alguém, que reconhecesse o tal documento. Sabia que seria improvável, mas ainda não sabia ao certo com quem realmente estava lidando.

Passamos a semana toda ali, desfrutando do presente caro de Benjamin, e no fim de semana partimos para o Oeste, em busca de minha velha cidade. Annie já estava muito diferente de quando a encontrei. Conversávamos sobre tantas coisas, seus olhos brilhavam, e um lindo sorriso tomava conta de seu rosto. Annie era praticamente um Anjo. Tinha lutado tantas guerras, vencido monstros, mas mesmo assim, era só uma criança. Estava ali, ao meu lado. Estava ali, me mudando. Mudando minha forma trágica de ver o mundo, e me dando um pouco de paz, a cada milha rodada, em busca de seu caminho.

Assim que o nosso tempo acabou, pegamos a estrada. Ainda era madrugada. Naquele dia vimos o nascer do sol, na estrada, e o pôr do sol, sentados no capô do carro, estacionado sobre uma ponte. Aquele brilho magnífico nos engana, fazendo pensar que tudo aquilo gira ao nosso redor. Mero engano. Somos nós quem o perseguimos dia após dia, para que ele acalme a nossa pressa, sussurrando a paz em nossos ouvidos.

A noite, chegamos onde eu há anos havia prometido nunca mais voltar. As coisas haviam mudado muito por ali. Grandes luzes de neon sobre lojas, ruas movimentadas sob a lua, calçadas sem árvores. Parei em qualquer lugar, pela avenida. Annie dormia no banco de trás. Saí do carro para fumar um charuto e esticar as pernas. Caminhei um pouco por perto do carro, e logo voltei. Dormi ali mesmo. Senti como se estivesse voltado para uma casa a qual não mais pertenço.

Logo que senti os primeiros raios de sol tocar o meu rosto, perdi o sono, e me pus a dirigir em busca de um café. Annie e eu comemos bem, e nos colocamos em busca de alguma informação sobre Vivian. Não foi difícil encontrar o que restava da família dela naquela cidade. O povo continuava bisbilhoteiro!

Como suspeitei, Vivian não estava mais ali. Porém, morava perto. Viajamos mais duas horas, e chegamos a um grande fórum. Ela hoje era desembargadora, e o acesso a ela era dificílimo. Porém, ao saber que eu estava ali para vê-la após mais de vinte anos, veio ao meu encontro com um sorriso, e me deu um abraço apertado.

Fomos à sua grande sala, e conversamos por horas. Colocamos nossas histórias em dia, falamos de nossas carreiras, de nossa juventude, de Annie. No fim, tudo o que eu jurava ter sido apenas passageiro, apenas estava guardado. Passei a acreditar que verdadeiras amizades nunca morrem. Vivian prometeu me ajudar.

Saímos dali para almoçar, e na volta, já começamos a correr atrás de informações. Seu posto, dava acesso à muitos amigos, os quais possuíam informações valiosas. Existiam doze mulheres com o nome de Sophie Fester, no sistema ao qual Vivian recorreu. As coisas estavam ficando excelentes para o nosso lado. Uma delas me chamou muito a atenção: tinha 36 anos, morava na Flórida, era dona de um restaurante, e solteira. Já esteve por perto há anos, e respondeu a processos por dívidas.

Emprestei o telefone, e fiz a ligação, trêmulo. Não tive nenhum sucesso, por duas vezes.

"Hello! Sophie here. You know what to do after the beep."

Decidi esperar um pouco, mas Vivian me pediu que tentasse ao menos mais uma vez. É inexplicável a certeza de que desta vez alguém me atenderia do outro lado. Após tocar duas vezes, uma voz doce atende do outro lado. Precisou falar duas vezes para que eu tivesse coragem de dizer tudo o que precisava.

Mas por onde começar? Toda aquela corrida até ali não me deixou palavras. Desde o dia em que encontrei Annie adormecida na beira da estrada, tenho lutado como um louco, a procura de seu caminho. Poderia estar falando com sua mãe, com alguém que conhecia sua história, ou simplesmente com uma estranha qualquer, por engano.

Perguntei se era Sophie, disse que não era um trote, e que precisava saber se eu estava conversando com a pessoa certa. Tive que dar mil e um rodeios, até onde queria chegar. Disse que procurava uma dama que havia sido separada de sua filha ainda cedo. Se não fosse, que me perdoasse. 

O silêncio após meus tropeços em palavras foi iminente. Depois de um tempo, ela me pergunta, com a voz embargada:
- Com quem eu estou falando? Algum tipo de psicopata? Você está louco?
- Por favor, Sophie! Estou desesperado, diga se você é quem procuro. Não posso ficar mais um minuto sequer com esta ansiedade!

Continua >>