domingo, 6 de outubro de 2013

Annie, uma História e um Café - I



(Gabriel Derlan, 1999)

Foram dias de fuga, até encontrar comigo, viajando por uma estrada cheia de plantações de trigo ao redor, mas emoldurada por algumas árvores à beira. Annie estava sentada sob uma dessas árvores, adormecida. A cena chamou a minha atenção. Parei o carro logo à frente. De tão cansada e faminta, não esboçou reação quando peguei-a no colo e a deitei no banco de trás. Quando o carro começou a andar, ela apenas teve forças para pedir: "Não me leve de volta para lá, por favor".

"Quem matou os sonhos de Annie?"

Tentei imaginar possíveis locais de onde ela poderia ter vindo. Tinha certeza de que ela não havia surgido de uma árvore, ou de um café. Levei-a para a cidade mais próxima, e tomamos café. Eram nove horas da manhã. Fartou-se, e ganhou mais cor. Era branca como a luz, tinha delicados cabelos loiros, algumas sardas, e estava com uma roupa um pouco suja. Saboreava como se tudo estivesse delicioso. Olhava para mim, mas era um mistério. Não sei se estava grata por estar ali, não sei se desconfiava de mim. Uma coisa era certa: eu não havia devolvido ao lugar de onde ela teria vindo.


Saímos dali, e fomos a uma loja. compramos algumas roupas para ela, e levei-a a um hotel, para ela tomar banho quente e vestir-se. O dia estava ficando frio. Independente de quem fosse, eu soube que faria bem. Quando saiu, pela primeira vez sorriu para mim, de um modo muito tímido. A essas alturas, eu já não era considerado mais um monstro, ou um desconhecido.

Ela deitou-se no sofá, e ali adormeceu. Estava de roupas limpas, alimentada, e aconchegante. Nesse momento, eu sequer sabia o seu nome. Não havíamos conversado praticamente nada no café, ou nas compras. Ela permanecia em silêncio, e respondia absolutamente o necessário, absolutamente o que eu buscava saber, quando pedia se estava satisfeita, se as roupas haviam servido, entre outras coisas. Não pedi seu nome em outros momentos, muito menos ousei perguntar de onde ela havia vindo.

Me dei ao luxo de procurar um cobertor, e colocar sobre ela.

Ao final da tarde, ela levantou. Pela primeira vez, quem dirigiu a palavra a mim foi ela. Pediu-me água, e perguntou se não poderíamos ir ao parque.

De fato, a algumas quadras dali havia um parque. Caminhamos até lá, e sentamos sob uma árvore, na grama. Por mais que estivesse frio, estava confortável estar ali. Levei-a pela mão, e me senti pai de alguém sem nome, sem casa, sem vida, por alguns instantes. 

Quando sentamos, ousei perguntar o seu nome. Foi quando aquela voz doce disse que seu nome era Annie. Descobri, finalmente, que fugia de um orfanato há dois dias. A responsável pelo lugar, estava falecendo, quando revelou à pequena menina que seus pais não estavam mortos quando ela foi parar ali. Foi nesta mesma noite, que Annie fugiu estrada afora, sem ao menos ser perseguida.

Ao menos agora eu sabia que naquele momento era o seu único abrigo. Pedi mais de uma vez se ela fugiria de casa, ou se eu seria livre para tentar encontrar a sua história. A minha melhor resposta foi um abraço sincero desta pequena. Sabia então que teria um longo caminho pela frente, e talvez um pote de ouro no final do arco-íris. Até me provar o contrário, não desacredito.